O que o consumidor de vinhos tem de diferente do consumidor de vinhos orgânicos no Brasil?

Eu realizei uma pesquisa pela Universidade Federal do Paraná sobre o comportamento do consumidor do mercado de vinhos e vinhos orgânicos no Brasil. Um dos objetivos consistiu na comparação entre esses dois grupos, identificando o comportamento, preferências e características dos consumidores e possíveis diferenças quanto ao processo decisório de compra de vinhos. Adicionalmente, buscou-se obter evidências sobre os entraves do mercado de vinhos orgânicos no Brasil, verificar se há demanda no país para este tipo de vinho e se o mercado está suprindo corretamente as necessidades do consumidor.

Principais resultados deste estudo:

  • O consumidor de vinho orgânico possui maior interesse em vinhos que o consumidor de vinhos em geral (maior percentual dos que se consideram amantes de vinhos dentro da amostra dos consumidores de vinhos orgânicos);
  • Maior consumidor de vinhos em geral e vinhos orgânicos é o Estado de São Paulo. O segundo maior consumidor é o Estado do Rio de Janeiro, porém, há um mercado consumidor bem mais relevante de vinhos orgânicos no Estado do Rio de Janeiro (houve quase empate com São Paulo);
  • Maior parte dos consumidores de vinhos em geral são homens (55%) e maior parte dos consumidores de vinhos orgânicos são mulheres (57%), o que pode indicar que as mulheres possuem uma maior preocupação com a própria saúde e com o meio-ambiente;
  • O nível de instrução do consumidor de vinhos em geral e do de vinhos orgânicos é semelhante;
  • Quando analisadas as profissões dos respondentes de vinho orgânico, há um maior percentual que trabalha na indústria de alimentos e bebidas.
  • O consumidor de vinho orgânico é um público mais jovem em comparação ao consumidor de vinhos em geral;
  • O consumidor de vinhos em geral pertence a Classe A (21%) e B (50%) e o consumidor de vinhos orgânicos pertencem a Classe C (57%) e B (43%). Isso evidencia que para a Classe A o atributo orgânico tem pouca relevância;
  • Cerca de 15% dos consumidores de vinhos em geral nunca ouviram falar sobre vinhos orgânicos, o que mostra a falta de conhecimento sobre o termo;
  • Quase metade dos consumidores de vinhos em geral não sabem o conceito de vinho orgânico e não enxergam valor agregado neste tipo de produto;
  • Os dois grupos têm preferência por comprar em adegas e lojas especializadas e em local físico. Porém, cerca de 22% dos consumidores de vinhos em geral preferem comprar online, dos quais 15,5% em lojas especializadas. Todos os consumidores de vinhos orgânicos não preferem comprar online. Para atingir o consumidor de vinhos orgânicos, seria interessante a criação de feiras de vinhos orgânicos, onde os consumidores possam ter contato direto com os produtores e obter mais informações;
  • O consumidor de vinhos em geral prefere inovar a comprar sempre os mesmos vinhos. Já o consumidor de vinho orgânico inova sempre, o que indica que a marca é um atributo que tem pouca relevância para este consumidor;
  • Para ambos os grupos, qualidade é o atributo mais importante e o segundo é preço. Para o consumidor de vinhos em geral, ser orgânico é o atributo menos importante, pois, marca e conveniência são mais importantes. Para o consumidor de vinhos orgânicos, o terceiro mais importante é ser orgânico, ou seja, não basta ser orgânico, é necessário primeiro ter qualidade e preço.
  • Um vinho de qualidade para a maioria dos consumidores de vinhos em geral não inclui o orgânico como atributo de qualidade. Já os consumidores de vinho orgânico percebem isso como um atributo de qualidade.
  • Há uma percepção maior de que vinho orgânico é feito sem o uso de agrotóxicos e uma percepção menor de que mitigam impacto ambiental. Há uma imagem negativa em relação ao vinho orgânico nacional (não confiável), principalmente com o consumidor de vinho orgânico. Cerca de 15% do consumidor em geral consideram o vinho orgânico caro, e os consumidores de vinhos orgânicos não consideram o produto caro.
  • As maiores razões da preferência por vinhos orgânicos pelos consumidores de vinhos orgânicos são a questão ambiental e a saúde.
  • A palavra “orgânico” ainda é bastante imprecisa ao consumidor de vinhos em geral, tornando mais difícil sua aceitação e consumo. Os principais motivos que o consumidor de vinhos em geral considera para não haver muitos orgânicos no mercado são falta de conhecimento/comunicação (33%), dificuldade de produção e em grande quantidade (30%), preço alto (17%), falta de investimento e incentivo do governo (8%). Outros são falta de tradição, falta de confiabilidade, preconceito e falta de qualidade. Já o consumidor de vinhos orgânicos considera os motivos dificuldade de produção e em grande quantidade (59%), falta de conhecimento/comunicação (26%) e falta de investimento e incentivo (15%).
  • Os consumidores de vinhos em geral disseram que comprariam vinhos orgânicos se soubessem que é de qualidade e conhecessem o produto (60%). Cerca de 30% disseram que comprariam se os encontrassem com preço acessível. Já os consumidores de vinhos orgânicos compram este tipo de vinho quando há qualidade (45%), valor acessível (28%) e 29% quando sabem a procedência, pela preocupação com a saúde e meio-ambiente.

Principais recomendações:

  • Para melhorar o conhecimento e conscientização do consumidor, os benefícios do vinho orgânico devem ser melhor comunicados. A informação de produto orgânico poderia ser melhor destacada e melhor escrita no rótulo, contendo informações adicionais.
  • A comunicação sobre o vinho orgânico também poderia ser inicialmente direcionada às mulheres, entre 19 a 44 anos, residentes do Estado do Rio de Janeiro, Classe B e C, dando ênfase na saúde e meio-ambiente, sobre um vinho orgânico custo-benefício, com informações mais detalhadas sobre onde e como é produzido.
  • Maior investimento na comunicação pelas mídias sociais por meio dos “digital influencers” e por meio de campanhas de educação do vinho e conscientização. Eventos, workshops, feiras de vinhos e degustações são importantes e aproximam o consumidor e o produtor.
  • Buscar parcerias público-privadas de investimento e incentivo para a criação de um programa de treinamento para pequenos produtores, com ensinamentos dos métodos de cultivo orgânico e de como eles podem transformar seus negócios.
  • Consolidação de um órgão que compile os dados sobre o mercado de vinhos e vinhos orgânicos no Brasil, e da criação de uma legislação de âmbito nacional que incentive a produção de vinho no Brasil de forma sustentável, em que haja uma definição precisa, a partir de minuciosos estudos, de vinho e vinho orgânico, bem como da caracterização da vinificação tradicional e orgânica, norteando-se pelas diretrizes da Comissão Reguladora da União Europeia N° 203/2012 de 8 de Março de 2012.
  • Investimento em estudos minuciosos sobre solo e terroirs para a otimização da produção e aumento do qualidade por meio da criação de denominações de origem, objetivando a valorização dos territórios e também a mitigação das externalidades geradas pela atividade em toda a cadeia produtiva.
  • A falta de tradição e o preconceito podem ser resolvidos por meio de uma legislação mais clara e mecanismos melhores de fiscalização, o que sugere que estudos devem ser feitos para melhorar o sistema de certificação orgânica no Brasil, para que tenha efetividade e possa ser confiável.

PS: A metodologia consistiu em uma análise descritiva, do tipo exploratória, em que por meio de uma “survey” buscou-se verificar o comportamento, preferências e características do consumidor de vinhos e vinhos orgânicos da Empresa Grand Terroir.

Para mais informações, acesse:
https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/58804/R%20-%20E%20-%20TALITA%20GOMES%20BRAGATO.pdf?sequence=1&isAllowed=y

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